Condenações anuladas em segunda instância, penas reduzidas, inquéritos arquivados, causas dos assassinatos atribuídas às próprias vítimas, absolvições sumárias, versões dos policiais tomadas como verdade processual, testemunhas de acusação ignoradas e medidas de reparação a familiares de vítimas tratadas com descaso. Segundo o estudo “Desafios da Responsabilidade Estatal pela Letalidade de Jovens Negros: Contextos Sociais e Narrativas Legais no Brasil (1992-2020)”, a lista faz parte de um repertório padronizado, que tem sido usado pelo sistema de justiça brasileiro para não responsabilizar indivíduos e instituições em processos de violência letal praticada por agentes de segurança contra pessoas negras.
Funded by Google and the Tides Foundation, with the support of the Center for Research and Training in Race, Gender and Racial Justice (Afro) of CEBRAP and CQS/FV Advogados, the research analyzed, over the last three decades, eight cases of violence lethal attack by security agents against black people. They are: Carandiru Massacre (1992); Favela Naval (1997); Chacina do Borel (2003); Amarildo Case (2013); Cabula Massacre (2015); Paraisópolis Massacre (2019); Luana Barbosa dos Reis case (2016); and João Alberto Freitas Case (2020).
O estudo também deu origem a um podcast com oito episódios. Narrado pelo ator Christian Malheiros e pela criadora de conteúdo Andreza Delgado, “Justiça em Preto e Branco” ouve personagens que fizeram parte direta ou indiretamente das histórias de brutalidade policial – familiares, ativistas, advogados, parlamentares e especialistas.
Em todos os casos, a pesquisa constatou, de saída, a inércia do Ministério Público (MP), responsável pelo controle externo da atividade policial. Mesmo as histórias de grande repercussão, só chegaram a ser apuradas após intensa pressão social e mobilização de organizações de fora do sistema de justiça, como instituições de direitos humanos e movimentos sociais.
RECOMENDAÇÕES
A pesquisa traz ainda uma série de recomendações para que as instituições – em especial as do sistema de justiça – interrompam práticas que têm redundado na legitimação da violência racial. Entre elas estão o reconhecimento da palavra de familiares, sobreviventes e outras testemunhas e não preferencialmente a versão dos agentes de segurança envolvidos nos casos.
Em segundo lugar, o trabalho sublinha a necessidade de que o sistema de justiça criminal brasileiro reconheça as evidências do racismo de Estado e seu impacto nas mortes. O primeiro passo, neste sentido, é retirar dos agentes do Estado a exclusividade das versões dos casos. O testemunho de civis, de sobreviventes e de familiares das vítimas precisam ser considerados nos julgamentos, aponta a pesquisa.
Entre as recomendações também está a necessidade de uma cobertura midiática que não confunda vítimas e investigados, e consiga informar com mais objetividade sem reforçar estereótipos raciais. O estudo alerta que, quando há pouca ou nenhuma responsabilização judicial, é importante que ao menos a mídia não inviabilize o ativismo de familiares e acabe revitimizando-os.
Por fim, a pesquisa destaca a importância de que as instituições ouçam organizações e movimentos negros, além de familiares de vítimas, antes de responderem à violência de Estado. Se somente quem puxa o gatilho for responsabilizado, nunca haverá compromisso efetivo com a não repetição de práticas de violência racial. É preciso chamar atenção para cada parte dessa engrenagem que administra burocraticamente as mortes de pessoas negras, ressalta o estudo em uma das suas recomendações.